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A arte do Cordel

Posted in Cultura by micheletavares on 01/06/2009
Cordelista sergipano expondo suas obras.

Cordelista sergipano expondo suas obras.

Por Geilson Santos e Jade Libório

A literatura de cordel é uma poesia popular escrita em folhetos, acompanhados de xilogravuras e expostos em cordas para venda. Esta prática é oriunda da Europa e foi trazida para o Brasil pelos portugueses no tempo da colonização. No Nordeste, o cordel encontrou características favoráveis para sua perpetuação, por conta de sua linguagem simples e por tratar de temas regionais.
Com a simplicidade de um sertanejo e a inteligência de um grande poeta, o cordelista Sergipano Zé Antônio nos concedeu esta entrevista e nos revelou sua vida como poeta popular.

EmPauta UFS: Bem, a primeira pergunta é como surgiu o interesse do senhor pelo cordel…
Zé Antonio
: Quando eu era menino (sou natural lá de Moita Bonita, nasci na roça) meu pai vendia numa banca de cereais no mercado Antonio Franco, que hoje é o mercado de artesanato, vendia feijão, farinha, arroz. Aos finais de semana, eu vinha ajudar ele a vender, e toda semana eu comprava dois, três livrinhos de cordel à Manoel de Almeida Filho. De tanto eu ler literatura de cordel, certo dia me despertou também, o que os grandes mestres da literatura de cordel chamam de dom. Você tem dom pra um determinado tipo de arte, as vezes passa a vida e por causa de outras ocupações não desperta, as vezes desperta aquele dom artístico mas depois de uma determinada idade.Em 1983 ,eu fiz meu primeiro cordel, no ano que eu entrei na universidade de historia. Eu fiz o sofrimento do nordestino ou o flagelo da seca, porque em 1980 ocorreu uma grande seca no nordeste, 4 anos de seca terrível e a gente via o povo sofrendo o gado morrendo, o povo reclamando que não chovia por causa dos pecados do povo, as moças andavam semi-nuas, toda pintada, e era castigo de Deus. Enquanto isso o gado também tava morrendo e quanto mais o gado ia morrendo mais os fazendeiros iam enricando, veja o contraste, porque tomava o dinheiro emprestado do Banco do Nordeste, do Banco do Brasil pra salvar o gado (comprar ração, água e tal) e depois a dívida era anistiada porque o gado tinha morrido. Então eles pegavam o dinheiro e aplicavam em outros negócios mais lucrativos que o tempo em que o gado tava engordando dentro do capim verde, mas que peste é isso, será que só peca o pobre, só é castigado pelos pecados o pobre. Então hoje a seca dá lucro pra os políticos né, a chamada indústria da seca, trocar votos por latas d’água. De lá pra cá a gente já teve mais de 80 títulos publicados. Cerca de 30 anos que faço literatura de cordel, de 1983 a 2009. Fui premiado em primeiro lugar no Concurso Nacional de Literatura de Cordel promovido pela Universidade Federal da Bahia em 1986, com esse trabalho aqui: O Bandido Cabeleira – O Amor de Luisinha. Primeiro cangaceiro que chegou ao nordeste no período colonial, em 1793, lá em Pernambuco, mais de 150 anos antes de Lampião.

EmPauta UFS: Em sua opinião qual a importância do cordel para a vida do nordestino?
Zé Antonio: Ah… o cordel sempre foi considerado o jornal do nordestino. Antigamente em tudo quanto é feira no interior do nordeste você encontrava literatura de cordel, e era o principal meio de lazer, de diversão, de informação do nordestino, onde a grande maioria do pessoal que trabalha na roça, em dia de feira sempre comprava pelo menos um ou dois livrinhos de cordel. Hoje, a coisa está ao inverso, a literatura de cordel se encontra mais nos grandes centros urbanos que nos municípios do interior, pois a gerência da televisão, da modernização dos meios de comunicação, que hoje estão em todos os lugares, desviaram o povo do costume de ler cordel. Os leitores de cordel hoje são pessoa mais instruídas, de nível cultural mais elevado, mais letrados, como professores, estudantes universitários. Mas o maior público leitor de cordel nordestino são os turistas de outros estados onde não tem esse tipo de literatura. Quando chegam em qualquer estado do nordeste umas das primeiras coisas que procuram é literatura de cordel, as vezes eles chegam a comprar 40 ou 50 livrinhos de uma vez só, até pra levar para dar de presente. Uma coisa interessante da literatura de cordel é que em sua primeira fase áurea, de 1930 até 1970, os grandes mestres do cordel contavam mais sobre a história de príncipes e reinos encantados, vaqueiros valentes, cangaceiros, Padre Cícero, histórias de humor e gracejo, como “João Grilo”, “Pedro Malazarte”, “Vicente: O Rei dos Ladrões” e por ai vai. A literatura de cordel é uma literatura genuinamente brasileira e tipicamente nordestina e hoje ela é extremamente cientifica, onde se vê uma nova geração de cordelistas pesquisando sobre tudo, como professores, sociólogos, advogados e até médicos. Pra se ter uma idéia existe “ A Gramática do Cordel”, versões sobre ecologia e meio ambiente, grandes nomes da história como Zumbi dos Palmares, Antônio Conselheiro, Che Guevara, também grandes clássicos da literatura como O Conde de Monte Cristo e Os Miseráveis interpretados em cordel. Tem até a química e a física em cordel, coisa de doido ou de gênio, ou os dois juntos. Literatura de cordel é disciplina de estudo obrigatório nos cursos de letras e literatura de quase todas as universidades da Europa, especialmente na França, onde só a obra de Patativa do Assaré já é estudada obrigatoriamente a mais de 50 anos na universidade de Sorbonne. Certa vez – em minhas entrevistas eu gosto sempre de frisar isso – em 2006 na Universidade Federal de Sergipe, uma estudante chegou para mim e disse: – Um professor meu me disse que literatura de cordel é paraliteratura. Certamente no sentido pejorativo, achar que é coisa de “matuto”, de gente “besta” que não tem o que fazer e escreve um monte de besteiras. E eu disse: – Minha filha, diga para esse professor, que sem querer ofender o jumento, ele deveria estar no pasto comendo capim, esse “fio da peste”. É ai que a gente vê que tem o “doutor analfabeto” e o “analfabeto doutor”. É o caso de Patativa do Assaré, que foi pra escola apenas quatro meses, mas recebeu o título de Doutor Honoris Causa na universidade de Sorbonne, onde fizeram várias teses de mestrado e doutorado sobre a obra dele, que dominava tanto a linguagem “matuta” como a linguagem erudita e conhecia e escrevia em todos os estilos literários que você possa imaginar.

EmPauta UFS: Qual a sua opinião sobre a inserção da matéria literatura de cordel na grade dos cursos de letras?
Zé Antonio
: Eu sempre bati nessa tecla pelos corredores da universidade, para que os professores e alunos de letras lutem para a inclusão da literatura de cordel na grade do seu curso. Eu e outros cordelistas criamos a Associação de Cordelistas e Repentistas de Sergipe, da qual eu sou presidente, e a nossa idéia é realizar o primeiro encontro de cordelistas e repentistas de Sergipe, a nível de simpósio ou seminário, durantes uns três ou quatro dias, pra trazer estudiosos do cordel, que tenham teses sobre o assunto, também professores daqui, cordelistas e repentistas e formar uma mesa redonda. E uma das coisas que tem ser discutida é a inclusão da disciplina literatura de cordel na grade do curso de letras. Vamos chamar o Centro Acadêmico de Letras e o Departamento de Letras pra discutir a idéia e tentar realizar o encontro, e mesmo se não der pra esse ano ainda, daqui pra o ano que vem nós vamos fazer de qualquer jeito, que seja na UFS ou até no meio da praça.

EmPauta UFS: O senhor utiliza cordel em sala de aula?
Zé Antonio: Sim, tanto eu como muitos colegas professores. Tem professor de todos os estados do Brasil que utiliza em sala de aula, especialmente meus trabalhos, pois eu sou um dos poucos que versa sobre qualquer assunto, apesar de minha temática ser mais política, histórica e social. Então meus cordéis são estudados no curso de história, letras, geografia, ciências sociais, comunicação e por ai vai. Eu tenho cordéis em todas essas áreas.

EmPauta UFS: Como é feita a venda dos cordéis nas feiras?
Zé Antonio: Antigamente os cordelistas costumavam botar uma boca de alto-falante com microfone e ficavam cantando as histórias e na melhor parte eles paravam, ai já estava cheio de gente, então eles iam vender. Depois se perdeu a tradição de vender o cordel cantando. João Firmino Cabral, que tem a banca de cordel lá no mercado, antigamente ele vendia cantando no meio da feira, mas agora que perdeu-se o costume ele vende apenas lendo uma estrofe de um ou de outro livro pro pessoal que chega e vai vendendo. Aqui em Sergipe eu sou o único que vende cordel cantando e o cordel se encaixa em qualquer ritmo musical que você possa imaginar, até no ritmo de vaquejada.

EmPauta UFS: A venda de cordéis é uma atividade lucrativa?
Zé Antonio: Já teve época de cordelista ter enricado, comprado fazenda, carro, casa. Como João Martins de Ataíde, que tinha tipografia e editava os seus cordéis e de outros cordelistas, as vezes comprava os direitos autorais e ficava como autor proprietário. Ele comprou mais de mil títulos da autoria de Leandro Gomes de Barros e passou a reeditá-los como autor proprietário. Haviam muitos cordelistas que tinham tipografia própria e acabou criando-se uma rede dos chamados folheteiros, que são os revendedores do produto em várias feiras pelo nordeste. Na época, por exemplo, foram vendidos mais de um milhão de cópias do cordel “O Cachorro dos Mortos, de Leandro Gomes de Barros. Hoje alguns cordelistas vivem exclusivamente dessas vendas, que é o caso de João Firmino Cabral, que nunca aprendeu outra coisa na vida a não ser escrever e vender literatura de cordel, ou seja, é uma atividade até lucrativa. Tanto eu como Pedro Amaro, Ronaldo Dória, vendemos os cordéis pelas feiras de Sergipe, mas agora conseguimos esse espaço coletivo aqui (espaço no Centro de Arte e Cultura, Aracaju- SE) que está disponível para todos os cordelistas exporem os seus trabalhos, durante todos os dias da semana. Porém não estão vindo muitos escritores por causa do movimento que está fraco, poucos turistas. Mas sempre tem alguém querendo comprar, por exemplo hoje, um casal comprou 20 reais, depois outro casal comprou mais 25 reais em cordel. Vai ser construída aqui na entrada do Centro de Arte e Cultura uma casa de taipa, coberta de palha, com todas as características das coisas do nordeste, só para a venda de literatura de cordel, ela deverá ser inaugurada agora no período junino e irá permanecer aberta durante o ano todo, enquanto existir gente na Terra, Amém.

EmPauta UFS: Suas obras já obtiveram reconhecimento fora de Sergipe?
Zé Antonio: Reconhecimento até internacional. Eu fui premiado em primeiro lugar no Concurso Nacional de Literatura de Cordel, promovido pela Fundação Cultural do Estado da Bahia, onde eu concorri com as maiores feras do nordeste. Mas não é por ter ganhado que hoje em dia eu seja o maior nem o melhor, mas eu acho que estou entre os melhores né. Mas o que me deu o primeiro lugar foi um trabalho apenas, a comissão julgadora achou que o meu foi o melhor dentre os trabalhos inscritos. De repente pode aparecer um outro concurso, eu me inscrever e ficar la pelo vigésimo lugar. E você sabe que nesses concursos o prêmio não é dado por privilégio, nem apadrinhamento, tanto que os autores escrevem usando pseudônimos, é sigiloso. Manda-se dois envelopes, um com os cordéis e outro menor com o currículo dos participantes, indicando quais as suas obras e com quais pseudônimos eles estão escrevendo. O premio recebido por esse concurso foi de 3mil reais e 500 exemplares impressos, o segundo lugar foi pra Marcos Aurélio, do interior da Bahia. Esse concurso na Bahia eu soube por acaso, um dia eu cheguei na Funcaju e tava o pessoal lá vendo o regulamento, e eu já tinha minha obra pronta, um rascunho na gaveta, então resolvi participar. Por melhor que você seja não é fácil ganhar um primeiro lugar num concurso literário, tem muita gente boa participando. João Firmino Cabral, por exemplo, é um dos grandes mestres do cordel, mais de 50 anos escrevendo, outro também é Manuel d’Almeida Filho, ambos participaram de dezenas de concursos mas nunca chegaram a receber um primeiro lugar. Há até uma nova geração de meninos fazendo melhor que os velhos de barba branca, o que nos deixa muito feliz. Tem um estudante de história da universidade, o Eduardo, que escreveu quatro cordéis, uma coisa fantástica, no estilo “Galope à Beira- mar” mesmo ele é melhor que todos nós juntos. É que a gente ta mais viciado no esquema da sextilha e septilha e o hobby dele é escrever em decassílabo, o que é mais difícil de fazer, mas ele começou se especializando nesse estilo, e o menino tem futuro, o pestinha faz até de improviso também. Eu estou dando uma oficina de literatura de cordel no Espaço Cultural Semear junto com o professor Elias Santos, que da aula de xilogravura, é o projeto “Xilocordel”, do programa cultural do Banco do Nordeste. Lá estão se destacando alguns talentos, por exemplo a professora de biologia Gracemira, que descreveu em cordel, toda a estrutura desse estilo literário, a questão da rima, da métrica, da oração, obra que foi intitulada como “É Bom Aprender Cordel”.

Uma resposta

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  1. Yalla Lemos Duarte said, on 25/08/2010 at 1:09 pm

    Pq os autores escreviam literatura de cordel?


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